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Sobre a lista dos supostos 25 melhores livros

Não tenho muito a perder, então vou deixar algumas impressões sobre a lista dos livros brasileiros do século XXI que saiu domingo na Folha. Minha expectativa de constar ali era zero, o que talvez me ajude a ser objetivo, e em outro momento penso no que fazer para não continuar invisível até a lista de meio do século, se é que vou ser lembrado aos 70 anos de idade.

 

Concordo somente em parte com os que se queixam da idiotice de toda e qualquer lista.

Ninguém é inocente, todos sabem que não representa com rigor os melhores livros do século, mas pode servir como um radar para mapear quais assim são considerados. Os 101 notáveis que votaram no rol da Folha nos dão uma amostra razoável de como a literatura brasileira contemporânea vem sendo pensada e percebida por especialistas.


 Logo nos chama a atenção que “Defeito de cor”, “Torto Arado” e “O Avesso da Pele” formam um pódio antirracista. Outra grande vencedora é a musa Conceição Evaristo, emplacando dois entre os primeiros dez, “Olhos d’Água” e “Ponciá Vicêncio”. Em nono lugar Geovani Martins representa cor e classe com “O sol na cabeça”. Também “Marrom e Amarelo” de Paulo Scott foi relativamente bem, apesar de não ter entrado nos 25. E Ricardo Aleixo chegou a ser um dos mais lembrados entre poetas, mas os jurados não foram muito atenciosos com quem faz versos. Só Ana Martins Marques e Angélica Freitas sobreviveram como poetas na lista principal. Temos, portanto, a negritude em alta e a poesia em baixa como primeira constatação.


 Dos 25 eleitos, só não li nada de uns três ou quatro, e dentre os que conheço, a seleção me parece aceitável. Ninguém bizarro, nenhum grande constrangimento, nenhuma porcaria deplorável. Por outro lado, conforme vamos descendo a lista, poucos títulos me soam incontestáveis. Foram estes, poderiam ter sido outros. Deu Milton Hatoum, ok, também poderia ter sido Marcelino Freire; deu Michel Laub, ok, também poderia ter sido Julián Fuks; deu Micheliny Verunschk, ok, também poderia ter sido Andrea Del Fuego.


Entendo que só uma lista muito pessoal atenderia meus desejos de ver agraciados Isadora Krieger ou Wilson Alves-Bezerra, mas acho um tanto lamentável o esquecimento de Evandro Affonso Ferreira, que poderia entrar com “Minha mãe se matou sem dizer adeus”. Outro grande ausente, mas este não sem motivos, é Marcelo Mirisola, que foi cavando sua cova e talvez sentenciado ao ostracismo – ao menos até que o passar do tempo permita seu resgate, como acontece agora com Nelson Rodrigues.


Ressalvas feitas, vou encerrar com os pontos em que me senti mais contemplado. Conceição Evaristo já mencionei antes, mas enfatizo que adoro “Olhos d’água”. Cristovão Tezza, Luiz Ruffato, Sérgio Sant’Anna e Natalia Borges Polesso sem dúvida fizeram e fazem muito bem à nossa literatura. Do Chico Buarque, não engulo o “Leite Derramado” mas “Budapeste” considero uma obra-prima. Achei divertido encontrar o “Pornopopeia” do Reinaldo Morais, livro delicioso, mas não imaginei que seria tratado com o respeito que merece. Outro autor que tomo como um dos nossos maiores é Rubens Figueiredo, que talvez devesse ter um número mais amplo de leitores. E para finalizar, fiquei contente em ver reconhecida a Elvira Vigna, que, acredito, aos poucos vai se firmar postumamente no patamar de uma Hilda Hilst.

 
 
 

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