Repatriado
- Ivan Hegen
- 19 de nov. de 2023
- 2 min de leitura
Quando, em 2018, decidi que ia arriscar a vida no Uruguai, não era apenas o susto do momento. Foi um improviso, uma aventura, por não ter nenhum emprego me esperando em Montevidéu, apenas os freelas de tradução, mas foi uma decisão calculada para o mais longo prazo. Pus na balança fatores políticos, climáticos e projetos pessoais.
Avaliei ser possível que o Brasil entrasse em um ciclo de décadas de retrocessos irrecuperáveis, a ponto de eu mal conseguir fazer uma resistência eficaz e/ou me virar financeiramente em um país destruído. Também julguei que as mudanças climáticas, até eu alcançar minha velhice, tornariam São Paulo quase hostil à vida humana. E, acreditem, também imaginei que poderia ter melhores chances como escritor em terra estrangeira, após alguns anos de humilde aprimoramento do espanhol e ambientação.
Agora estou reinstalado em São Paulo desde o meio da pandemia, pois a crise econômica da covid inviabilizou qualquer hipótese de continuar no Uruguai naquele momento. Não estou nem um pouco infeliz no Brasil, acho que ao menos por enquanto nosso país parece habitável, embora a gente venha aprendendo o quanto nunca há certeza alguma em lugar nenhum.
Sobre o bolsonarismo, chegamos bem perto do pesadelo de um ciclo extenso de retrocessos, o resultado apertado na eleição fez a diferença entre termos e não termos futuro. O bolsonarismo não está completamente derrotado mas no momento parece uma cobra que perdeu o veneno. Quanto às mudanças climáticas, estão chegando antes e com mais força do que eu imaginava. O que eu menos gostei e o que menos sinto falta do Uruguai é o frio, mas esta semana me fez lembrar que existia alguma lógica na fuga para o sul. Embora nosso querido país vizinho também sofra com a crise climática global, enfrentando uma seca devastadora.
Quanto às minhas chances no mercado editorial brasileiro serem piores do que as que eu teria em vida de migrante, não sei, mas vou me sentir um exilado em meu próprio país se não encontrar uma boa casa para o material que está agora em segredo nos meus arquivos, um inédito que é disparado meu livro mais atraente e bem-acabado. Tenho meu receio de, mesmo com um livro que tem tudo para vingar, mais uma vez perceber o quanto nosso mercado é engessado e covarde. Tenho fantasias angustiadas de me autotraduzir para eventualmente ser melhor recebido no exterior que em minha terra. A ver. Quero muito gostar de estar neste Brasil sobrevivente, um país que agora repatria em vez de apoiar bombardeios.
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